Neurologista explica como o tratamento com Cannabis medicinal tem trazido benefícios significativos para crianças que sofrem com a doença, superando os resultados das terapias convencionais
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) e da Epilepsy Foundation, apontam que a epilepsia é um distúrbio neurológico crônico que afeta cerca de 60 milhões de pessoas globalmente. No Brasil, o Ministério da Saúde estima que aproximadamente 2 milhões de pessoas vivam com epilepsia, com a doença impactando inclusive crianças em diversas faixas etárias. E no Dia Mundial da Conscientização sobre a Epilepsia, celebrado em 26 de março, é fundamental esclarecer o impacto dessa condição na vida de muitos brasileiros.
Apesar dos avanços no tratamento, cerca de 30% dos pacientes com epilepsia ainda enfrentam crises epilépticas frequentes, mesmo após o uso de medicamentos convencionais. Este é o caso de indivíduos com epilepsia refratária, que não respondem ao tratamento convencional, o que representa um grande desafio para a medicina.
Nesse contexto, o uso de terapias alternativas, como o canabidiol (CBD), tem ganhado destaque, especialmente no tratamento de formas graves e resistentes da doença, ajudando particularmente no controle das crises em crianças.
Dr. Luis Otavio Caboclo, Chief Medical Officer da Endogen – healthtech especializada em produtos de nutrição clínica e de Cannabis medicinal – e professor assistente de neurologia da Faculdade Israelita Albert Einstein, explica que o CBD tem mostrado resultados promissores no tratamento de epilepsias complexas, como as Síndromes de Dravet e Lennox-Gastaut. “Pesquisas científicas têm validado os benefícios do canabidiol na redução significativa da frequência das crises em pacientes que não obtêm resultados com os medicamentos tradicionais”, comenta o especialista.
Um estudo publicado na The New England Journal of Medicine1 em 2017 demonstrou que mais de 40% dos pacientes com Síndrome de Dravet – uma forma rara e grave de epilepsia, que provoca crises extremamente resistentes ao tratamento clínico – apresentaram uma redução de pelo menos 50% nas crises após o uso do CBD, comparado a apenas 27% dos indivíduos que receberam placebo. No ano seguinte, o mesmo grupo de pesquisadores publicou, na mesma revista médica, um estudo sobre o tratamento da Síndrome de Lennox-Gastaut com CBD2, cujos pacientes têm crises de queda muito frequentes, podendo se machucar gravemente.
Os estudos mostraram que os indivíduos que sofrem com essa forma da doença e foram tratados com canabidiol apresentaram uma redução superior a 40% na frequência das crises de queda.
“Tais pesquisas, juntamente com outros achados que avaliaram a eficácia do CBD no tratamento da epilepsia, trouxeram evidências de que esse tratamento pode ser seguro e eficaz”, acrescenta Dr. Caboclo, destacando que, apesar dos benefícios, o mecanismo de ação do CBD na epilepsia ainda é pouco conhecido.
“O que sabemos é que ele interage de forma diferenciada com o sistema nervoso central. É possível que o efeito antiepiléptico do CBD seja mediado por outros receptores, ou ainda através da modulação dos efeitos de canabinoides endógenos, como a anandamida. Entretanto, novos estudos serão necessários para elucidar esses pontos”, explica.
Tratamento deve ser personalizado – Os fármacos anticrise habitualmente utilizados no tratamento da epilepsia em crianças ainda hoje podem causar efeitos adversos, como sonolência, tontura, piora da atenção e da concentração e alteração do peso. No entanto, de acordo com Dr. Caboclo, não há estudos que comprovem que o CBD possa ser usado como único tratamento (monoterapia) em crianças com epilepsia.
“O tratamento da epilepsia, tanto em crianças quanto em adultos, deve ser personalizado e supervisionado de perto por um profissional de saúde. O CBD não deve ser considerado como um tratamento único, mas sim como uma opção terapêutica associada a outros medicamentos, particularmente para crianças com epilepsia de difícil controle”, alerta o médico.
Além disso, é fundamental que os pais e cuidadores sigam a orientação médica e compreendam que o CBD, como qualquer outra medicação, deve ser administrado de maneira cuidadosa e monitorada. No caso da epilepsia infantil, o médico ressalta que todas as opções terapêuticas, incluindo o CBD, devem ser consideradas, porém, o tratamento deve ser escolhido com base no perfil de eficácia, segurança de efeitos adversos de cada medicação, levando em conta, entre outros fatores, a idade do paciente.
REFERÊNCIAS
1. Devinsky O, Cross JH, Laux L, Marsh E, Miller I, Nabbout R, et al. Trial of Cannabidiol for Drug-Resistant Seizures in the Dravet Syndrome. N Engl J Med. 2017;376(21):2011-20.
2. Devinsky O, Patel AD, Cross JH, Villanueva V, Wirrell EC, Privitera M, et al. Effect of Cannabidiol on Drop Seizures in the Lennox-Gastaut Syndrome. N Engl J Med. 2018;378(20):1888-97.